Sete Dias em Madrid, com Especial Atenção a uma tourada

Voltamos à Espanha neste ano de 2011. Após sete dias em Madrid, fomos de carro da Extremadura ao País Basco. Em outra viagem estivemos em Barcelona, exploramos os arredores de Madrid e seguimos de carro para a Andaluzia e Portugal.

Nossos Roteiros Ibéricos

(Em verde, roteiro de 2007. Em preto, roteiro de 2011)

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Barcelona é cidade do coração. Une sofisticação e criatividade a insuperável ambiência urbana. De um lado Gaudi e, do outro, as ramblas. Além do mais, o catalão é mais descontraído que os tensos castelhanos. Já a Andaluzia é cristã, mas de olhos negros e alma árabe. Onde se mergulha no verde ensolarado de Sevilha, visita-se a Grande Mesquita e se vê as rosas vermelhas dos pátios de Córdoba por dentre portas semi-abertas.

Mas nada se compara ao Alhambra, marco eterno da capacidade humana de criar beleza. Tivemos muita sorte. Quando visitamos a Espanha da outra vez, a Comunidade Européia ostentava otimismo e um historiador americano bobão decretava o fim da história. A competição com outros turistas era acirrada. Hoje, mesmo com a economia em depressão, não deve ser fácil hospedar-se no Parador São Francisco plantado no centro do Alhambra. Com anos de antecedência, os candidatos garantiam suas reservas nos quartos do antigo convento. Telefonei sem a menor esperança. Mas, me informaram de cancelamentos de reservas segundos antes de minha ligação. Era pegar ou largar o quarto ou retornar em alguns anos. Pegamos e não largamos.

De um morrinho na chegada de Granada vimos o sítio do Alhambra. A cidade estava submersa em fumaça industrial. No meio do cinza havia um buraquinho azul e verde. Lembrei-me da velha lenda árabe que falava de gênios protetores das árvores, dos pássaros,das flores e da água do Alhambra . Dirigi o carro para a luz e tive a certeza que esses entes benfazejos continuavam lá, onde sempre estiveram desde o começo dos tempos.

Qualquer tentativa de descrição do Alhambra empobrece o que se vê. Mais ainda, se o visitante se hospedar no Parador. Antes do por do sol, os portões da cidadela são fechados. Quem está no Parador fica dono dos jardins sem a presença da multidão suada e barulhenta. Priva da companhia dos gênios, escuta o correr da água e sente perto o espírito da sultana. Lá pelas nove da manhã, os portões são reabertos, mas acordar cedo é um pequeno preço em troca da convivência com esses seres.

Desta vez fomos de carro da Extremadura ao País Basco, mas, com o estágio de sempre em Madrid. Sete dias são mais do que suficientes para ver um Flamenco, visitar o Prado, o Reina Sofia e o Thissen-Bornemisa, além de dar umas voltinhas pela Puerta Del Sol, ocupada por milhares de jovens “indignados”. Vimos de tudo olhando para a multidão. Até sexo explícito hetero e homossexual em público, os participantes fotografados em “close” por um entusiasmado turista chinês.

Uma escapada aos arredores é indispensável: Toledo, Ávila, Segóvia e o Escorial.Toledo é outra que não dá pra descrever. Segóvia, o Alcazar (“castelo”) e a herança romana. Ávila,as muralhas e Santa Tereza. Quando lá estivemos, uma relíquia, o dedinho delicado de Santa ficava exposto em vitrine junto a souvenirs baratos.

O Escorial é o palácio onde estão os túmulos dos reis e rainhas da Espanha. Perto, existe uma basilica gicantesca escavada na pedra, na qual após muito andar no coração da montanha, o visitante chega ao túmulo de Franco. Velhinhas e velhinhos humildes oram pela alma negra do ditador. A basílica foi cavada à mão por millhares de prisioneiros de guerra republicanos em regime de trabalho forçado.

No Reina Sofia, Guernica sempre emociona. No pouco visitado Museu de Arqueologia está a “Dama de Elche”, pela qual é fácil se apaixonar, 2400 anos após sua morte. O Prado é um espetáculo. Todas as vezes que o visito, penso em como El Greco conseguiu deformar e iluminar a figura humana. Todos riem da cara do rei Juan Carlos, igualzinha à de seus antepassados retratados por Goya e se deslumbram com o quadro “as meninas”. A coleção de holandeses é fantástica.

Porém, o Prado é muito grande e, por isto, cansativo. É de um tempo em que se acreditava que quanto maior o número de objetos expostos, melhor o museu. No Louvre, muito maior,  para piorar a situação, a pintura é só um setor. Há, até mesmo, uma infindável coleção de “objects d’art”. É informação demais, que acaba por prejudicar o todo. A solução é selecionar as obras mais importantes e deixar as outras para mostras temporárias.

É bom reservar mais de um dia para o Prado e planejar cuidadosamente a visita. Selecionar alguns setores e ir devagar. Porém, as salas se misturam de forma desconcertante, o que torna quase impossível seguir um roteiro a partir do mapinha da recepção.

Mas nossa novidade madrilenha deste ano foi uma tourada.

É impressionante o democrático desconforto dos que a assistem imóveis, empoleirados em estreita trave de madeira. É indispensável o aluguel de almofadinhas “salva-bundas”. Algum gênio ibérico encontrou uma forma de obrigar as pessoas a sentarem em posição que não sacrifica a coluna. Sociologos explicam a postura empertigada dos assistentes como efeito da ditadura do Generalissimo Franco, pois a arquitetura facista exigia que, mesmo sentado, o público ficasse rigidamente em “posição de sentido”. Outra hipótese relevante associa a pouca “derrière” das espanholas com as longas horas em que sustentam suas donas durante as corridas de touros .

Ainda bem que não existem touradas no Brasil! A radicalidade anatômica de nossas conterrâneas é motivo de orgulho e alegria para os brasileiros, além de símbolo perene da nossa identidade nacional!

O público das touradas é, em si, um espetáculo. Homens de meia idade encobertos por paletós esporte mal cortados. Alguns mais velhos ostentando gravatas de seda brilhante. Outros com gumex ou vaselina no cabelo recém-saídos dos anos cinqüenta. Mulheres em design “retrô”. Quem senta na sombra, um pouco mais perto da arena paga sessenta euros. Cambistas vendem nos hotéis o mesmo ingresso pelo dobro.

A tourada que assistimos contou com a participação de cinco ou seis toureiros, dos quais apenas um parecia conhecer seu ofício. Houve até a engraçada fuga desabrida de um toureiro perseguido por um touro.

Toureiro em fuga 

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Foto: Sandra Zarur

Na luta desigual, todos os touros são mortos, mesmo que após repetidas cuteladas de toureiros inábeis. Os animais sem vida são arrastados por quatro mulas negras dramaticamente estimuladas pelo som de látegos a estalar no chão. Houve casos em que os touros mortos foram aplaudidos e os toureiros vaiados. Há registros de americanos em touradas no México a gritar “Bull! Bull!”, em torcida pelo animal, assim como os santistas saudam: “Neymar, Neymar!”.

Os toureiros eram associados, no passado, com o heroísmo romântico. Atrizes como Ava Gardner escolhiam seus amantes entre os grandes toureiros. Garcia Lorca também. Podem aparentar figuras femininas, o que, talvez, pode fazê-los atraentes para as próprias mulheres. As capas lembram saias cor de rosa rodadas e postura de alguns “sei não....”

Verificando as Capas

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Há belas cenas no “pas de deux” do homem com o touro.

Pas de Deux I

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Pas de Deux II

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Pas de Deux III

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A não ser que haja algum acidente, o roteiro dramático é sempre o mesmo. Termina com o bicho morto arrastado por mulas pretas. O touro exausto com a movimentação, ferido por “banderillas” e lanças, perde sangue e se desespera. De repente, para de lutar. Percebe que sua hora chegou e se entrega.

Desafio –  olho  no olho antes da morte

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O Touro se dá por vencido

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A Execução

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A corrida de touros manifesta a superioridade da inteligência sobre a força bruta em enredo que afirma a vitória da humanidade sobre feras negras. A imagem do touro simboliza poder e maldade na tradição mediterrânea, como pintou Picasso em Guernica. O toureiro é o representante dos seres humanos escolhido para controlar a enormidade do mal solto no mundo.

Porém, para nós brasileiros das cidades, mesmo sabendo de tudo isso, o touro é um pobre animal sacrificado de maneira cruel e, no mais das vezes, covarde. E não se pode esquecer que faltam a refinada elaboração estética e racionalização simbólica da tourada espanhola ao grotesco espetáculo sádico da farra do boi da nossa Ilha de Santa Catarina.

2017-11-06T18:41:48-02:00By |Viagem|