Um Safari Fotográfico

Ha muito, minha mulher e eu desejávamos embarcarem uma grande aventura. Filhos adultos, netos e muito tempo disponivel para os dois aposentados. É a hora de fazer o que sempre quisemos e nunca tivemos tempo ou dinheiro para realizar.

Reserva de Vida Selvagem de Etosha, Namibia – foto George ZarurDPP1_0001_2.JPG

Sandra, minha esposa, é uma excelente fotografa e eu me esforço para tirar boas fotos. Por isso, um safari fotográfico despertou nossa imaginação. Mas não foi só a nossa. Comentei o assunto em uma roda de amigos e os tres presentes se candidataram a nos fazer companhia, com as respectivas consortes. Um dos participantes não pode ir. Perdemos sua companhia sempre alegre e afetuosa, que esperamos recuperar em outra expedição. Outro amigo querido não pode seguir viagem devido a enfermidade na família. Continuamos até o fim, Alvaro Augusto, brilhante filósofo do cotidiano e grande advogado que honra sua terra natal, o Ceará e sua esposa a juíza aposentada Maria de Fátima. Fátima, leal e dedicada amiga, possui um notável capacidade de organização. O planejamento da maravilhosa viagem, enfim, seu sucesso, resulta, antes de tudo, da contribuição de Fátima.

Namíbia: Limite de deserto (foto George Zarur).resized_500x354_DPP_0005_3.JPG

Onix observador: Parque Nacional de Etosha – foto George ZarurDPP2_0034.JPG

Importante também foi a contratação de uma firma especializada em safaris. Consultei a revista Outdor Photography, que trazia uma matéria sobre safaris na África, com uma lista de firmas especializadas em safaris para fotógrafos. Uma empresa inglesa que não era das mais caras nos pôs em contato com seu representante no Brasil, a Safari 365, onde fomos orientados pela gentil e competente Eliane Barzelay, que teve uma enorme paciência e boa vontade em negociar o itinerário e alternativas de programas e preços. O custo de um safari é alto (especialmente fora do Kruger Park), e a Safari 365 oferece um serviço de qualidade compatível com a despesa.

Little Kulala (foto George Zarur) .resized_500x354__MG_0809.jpg

Há dois tipos de viagens para ver os animais na África. O primeiro é um sistema mais popular nos alojamentos em torno do Kruger Park na África do Sul. Os animais estão lá como sempre estiveram, mas há relatos, não sei se verdadeiros, de um excesso de visitantes. Vários outros países dispõe de boa estrutura para safaris, como Botswana e Kenia, por exemplo. Fomos para a Namíbia, um lugar politicamente estável. A população do país, que já foi dependência da Alemanha e da África do Sul, é pequena, de cerca de dois milhões de habitantes. Grande parte de seu território é formado por savanas e desertos, dentre os quais merece destaque o Kalahari. A Namíbia, devido ä tranquilidade política e segurança pessoal que oferece – nas maiores cidades da África do Sul é perigoso andar onde não há proteção armada – está em alta como destino turístico.

 Reflexos e cenas vistas através da janela do Land-rover (foto George Zarur).resized_500x333__MG_0896a.jpg

No aeroporto de Windhoek, capital da Namíbia, como nos aeroportos internacionais da África do Sul, há um local para registro de armas de fogo e pagamento de taxas para se obter a licença para caça. Infelizmente parece que este tipo de divertimento continua existindo, em um momento em que a vida de várias espécies animais está ameaçada.

Duna vermelha – Parque Nacional – Little Kulala                               (foto George Zarur).resized_500x333__MG_0923.jpg

Quando jovens, nos inícios de Brasília, alguns amigos e eu saíamos para caçar perdizes nos arredores de Sobradinho, cidade satélite do Distrito Federal. Nossos mestres eram professores gaúchos que reuniam as qualidades de bons mestres de adolescentes com a de excelentes adestradores de cães (nenhuma relação entre o adestramento de adolescentes e o ensino de física a cães de caça, isto é…). Voltávamos com o cinto carregado de aves abatidas, que minha tia cozinhava com leite. De vez quando um bolinha de chumbo era mordida com a carne. Era bonito ver os bem treinados cães perdigueiros em ação, rastreando e apontando para a perdiz amoitada.

Duna vermelha – Little Kulala – Namíbia (foto George Zarur).resized_500x333__MG_0934.jpg

Mais tarde cacei no Xingu, mas nunca consegui abater uma onça, o mais desejado troféu. Meu sonho era caça-la com azagaia e cães, à maneira do Pantanal Matogrossense e dos índios Kadiweu: os cães acuam o felino que salta sobre o caçador, que a espera com a azagaia, lança formada por faca presa na ponta de uma vara, firmemente apoiada no solo.

Paisagem Noturna – Little Kulala – foto George Zarur.resized_500x354__MG_1054.jpg

Mas, naquela época, não havia consciência ecológica, nem preocupação com o desaparecimento de espécies animais. Eu, pessoalmente, não tinha, ainda, estendido o valor da vida a animais e plantas. A ecologia e o respeito à natureza trouxeram um nova visão de mundo com implicações teológicas, que alteram radicalmente a posição relativa do homem frente ao meio ambiente. Minha geração fez essa mudança. Já há muito tempo, substituí a arma pela máquina fotográfica e me sinto muito melhor assim.

Três irmãos – Reserva de Vida Selvagem de Etosha – Namíbia –         Foto George ZarurIMG_2387.JPG

Na África, os safaris fotográficos ou os tradicionais, para caça, são realizados a partir de “lodges”, sistema de hospedagem com um ar rústico, mas que podem ser muito sofisticados. Preferimos fazer os deslocamentos por via aérea, pois, já todos com mais de sessenta não queríamos arriscar as dores decorrentes de longos períodos de imobilidade em um carro. Tampouco queríamos ficar muito tempo em viagem.

Morros de Damaraland ( foto George Zarur)_MG_1180.JPG

Seguindo o planejamento de Fátima ficamos nove dias na Namíbia. Além de quatro na belíssima cidade do Cabo, e dois de espera em Joannesburg, pois a passagem para a África saía por um preço muito mais barato em certos dias da semana. O mês de Maio foi bem escolhido, aliás Abril/Maio e Setembro/Outubro, meses de mudança da Primavera e do Outono, são os melhores para viagens a muitas partes do mundo. É baixa estação, hotéis, restaurantes, trens e aviões não estão sobrecarregados e o clima costuma ser muito bom, com pouca chuva. Para safaris no “Cone Sul” da África é um mês ótimo, considerando que, à semelhança do que acontece nas savanas do Brasil Central, não é muito frio.. Da mesma maneira que nessa região brasileira, já é estação seca na África, o que, em muito, melhora a visibilidade dos animais que se concentram nos poucos poços de água remanescentes.

Nosso Land-Rover em Damaraland (Foto George Zarur)_MG_1177.JPG

Longa é a viagem, Brasília-São Paulo-Johannesburg-Windhoek. No voo de ida da South African Airways fomos solicitados em inglês e por uma voz feminina com sotaque lusitano a “não cuspir no chão para a preservação da saúde de todos”. Ficamos um noite em Windhoek, no hotel de um country clube situado fora da cidade. Os funcionários estavam em greve e os serviços precários. Apesar disso, destaque para a maravilhosa comida de seu restaurante. Na Namíbia fomos clientes de uma companhia local chamada Wilderness, que possui uma frota de cerca de vinte aviões pequenos e vários lodges espalhados pelo país. Pareceu-me deter algo como o monopólio da indústria de safaris naquele país. Seus funcionários são eficientes e gentis. No dia seguinte fomos recebidos pelo nosso piloto em um pequeno Cesna onde apenas cabiam os quatro passageiros. Estranhamos o voo sem copiloto, pois se o piloto passasse mal, por exemplo, teríamos nós que tentar pousar o avião. Naturalmente isto não aconteceu, uma vez que que aqui estamos contando a história.

Nosso aviãozinho: foto George Zarur.resized_500x333_DPP_0003.JPG

O visitante do interior da África se hospeda em “lodges”, pousadas pretensamente rústicas, muito teto de palha e paredes de madeira, mas, em geral, muito confortáveis. Muitas possuem um espaço coletivo com uma grande mesa. Boa comida, generosas doses de gin tônica e saídas nos land-rovers de manhã e no final da tarde. Nas horas mais quentes é impraticável se afastar da sombra do espaço coletivo cheio de sofás, drinks à vontade e bem decorados ou, ainda, do conforto do ar condicionado do apartamento.

Kudu fëmea – Reserva de Vida Selvagem de Etosha – Namíbia           Foto George ZarurDPP2_0002.JPG

O primeiro lodge que visitamos foi Little Kulala, onde conhecemos as dunas vermelhas de uma das regiões semidesérticas da Namíbia. As paisagens sáo belíssimas e valem a pena ser visitadas. Não nos sentimos, porém estritamente em safari, pois os únicos animais visíveis, aliás em quantidades expressivas, eram os inocentes antílopes ou, como se diz em Afrikanner, o patois holandês da África do Sul e da Namíbia, “Springboks”, “cabras saltadoras”. De vez em quando aparecia um Onix, os outros únicos animais adaptados ä região ou, talvez, que tenham sobrevivido à presença do homem branco. É de se notar a ausência de leões e outros predadores dada a quantidade de antílopes que poderiam lhe servir de alimento.

Parque Nacional de Etosha, Namíbia, Foto George ZarurDPP2_0038.JPG

Por isto, o melhor de Little Kulala são as belíssimas paisagens. Próximo ao lodge está localizado um parque nacional que preserva uma ampla extensão de dunas vermelhas, uma valiosa atração turística. Em Little Kulala como em outros alojamentos o staff de nativos da Namíbia apresenta canções aprendidas em igrejas católicas e luteranas, que misturam o ritmo e melodias africanas com letras dos hinários cristãos.

O Guepardo esconde o antílope que matara pouco antes – Parque Nacional de Etosha – Namíbia (Foto George Zarur)DPP2_0033.JPG

Um avião um pouco maior, de 11 lugares, após sobrevoar um longo trecho de deserto, nos levou de Little Kulala para Swakopmund, cidade estranhíssima, pois preserva prédios com arquitetura alemã em plena África. Como já foi lembrado, a Namíbia era colônia alemã. Há um monumento que celebra a ação dos soldados alemães que participaram do confronto com os nativos, dizem alguns, do genocídio, dizem outros, acontecido no período colonial germânico, encerrado com a Primeira Guerra Mundial. Swakopmund é local de veraneio para sul-africanos abastados. O clima contribui, pois fazia frio quando lá estivemos ainda em Maio.

– Parque Nacional de Etosha- Foto George Zarur                         DPP2_0037.JPG

De Swakopmund seguimos no pequeno Cesna para o lodge de Damaraland em pleno deserto. O consumo de água era utilizado da forma mais racional, assim como a energia gerada por células fotoelétricas. Foi o lodge mais quente e o único sem ar refrigerado substituído por mosquiteiros e ventilador no teto. O conforto cedeu lugar à sustentabilidade. Valeram as atenções e dedicação da equipe local, que se desdobrava em gentilezas. Completaram a programação, a paisagem lunar do deserto e a visita a uma pequena comunidade organizada em torno de um poço d`água. Vive da criação de cabras, únicos animais domésticos adaptados á região. As cabras, como fui informado, resultam do cruzamento com uma raça brasileira desenvolvida pela Embrapa.

Parque Nacional de Etosha – Foto George Zarur

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Em Damaraland vimos uma grande manada de descontraídos elefantes, que, tranquilos, passaram a poucos metros de nosso jipe. Alimentavam-se e brincavam ao longo do estuário de um rio seco que seguimos em nosso Land-Rover. A primeira emoção forte da viagem! Infelizmente perdi as fotos desses bichos, embora tenha conseguido fotografar, mais tarde, os gigantescos elefantes brancos de Etosha.

Elefante Branco – Parque Nacional de Etosha – Namíbia                   – Foto George ZarurDPP2_0035.JPG

De lá seguimos no aviãozinho para Etosha, onde, de fato, nos sentimos em safari, pois ali, a diversidade da vida animal é espetacular. É um dos mais importantes destinos africanos para observação e fotografia da vida selvagem. O Parque Nacional de Etosha, mantido pelo governo, é vizinho à reserva de vida selvagem onde fica a hospedagem. Tanto o confortável lodge, como o desfile de animais selvagens são fantásticos. Muitos visitantes chegavam em seus jatos particulares. Ficamos com a sensação de que a visita aos lugares que precederam, representava parte do pagamento de nossa estadia em Etosha. Como se diz popularmente : Etosha foi “a azeitona da empada”. Isto não quer dizer que Little Kulala, Damaraland e Swakopmund tenham sido ruins. Muito pelo contrário, foi ótimo conhecer esses lugares, mas Etosha é merecedora de todos os superlativos. O sábio é vê-la no final, tendo em mente deixar “the best for last”. A melhor descrição que posso fazer de Etosha é exibindo as fotografias dos animais lá encontrados.

“Kudu”- Reserva de Vida Selvagem de Etosha – Namíbia                       Foto George Zarur.resized_500x704_DPP2_0011.JPG

Vimos uma diversidade e uma quantidade expressiva de bichos. Uma eletrizante aventura que culminou com o nosso jipe cercado por uma simpática família de leões.. Não ousávamos colocar o braço para fora do veículo. Um paraíso para fotógrafos.

Lince Africano (Caracal) – Parque Nacional de Etosha – Namíbia             Foto: George ZarurDPP2_0041.JPG

Mas, a melhor lembrança de nossa fantástica viagem foi a da visita a esses lugares na companhia de nossos amigos Fátima e Alvaro, nos longos dias quentes dos desertos africanos (amenizados por bons papos e por generosas doses de gin tonica) ou na aventura de voar naquele aviãozinho teco-teco.

Reserva de Vida Selvagem de Etosha -Foto George ZarurDPP1_0005.JPG


Reserva de Vida Selvagem de Etosha, Namíbia (Foto George Zarur)
2017-12-11T08:25:01-02:00By |Opinião, Viagem|