Repensando o Conceito de Matrifocalidade

I – o CONCEITO DE MATRIFOCALIDADE
a) Objetivos

Pretendo discutir o tipo de grupo doméstico ou organização de família considerado característico da família negra nas Américas, a chamada família matrifocal. Para atingir este fim estudarei a maneira pela qual o conceito de matrifocalidade tem sido visto na bibliografia , bem como a maneira como eu a vejo. Discutirei as diversas explicações oferecidas para sugerir uma alternativa. Por fim espero demonstrar o valor da matrifocalidade como um conceito central para o estudo da organização social negra das Américas.

Dados foram obtidos através de uma intensiva cobertura da bibliografia, bem como através de meu próprio trabalho de campo entre negros norte-americanos.

Gonzalez (1970) traz os seguintes traços na caracterização de uma situação de família matrifocal:

1 – A mãe é a figura estável, com as outras pessoas do grupo doméstico funcionando ao seu redor;

2 – a maioria dos contactos dos membros da família são realizados com parentes matrilaterais;

3 – as mulheres tem o poder de decidir sobre as crianças e a casa. Gonzales ainda adiciona que matrifocalidade pode ser entendida em termos de graus.

Smith (1975) diz mais ou menos a mesma coisa: “uma característica marcante do sistema é a relação de proximidade entre mãe, filhas, filhos e filhas das filhas, relação que é baseada em atividades de cuidar das crianças. A matrifocalidade, uma característica encontrada por todos os autores que escreveram sobre a família negra no Novo Mundo e por muitos estudiosos da América Latina é uma questão de gradação mais do que uma qualidade absoluta do sistema. (1957/70).

Stack (1970, 304) mostra também que matrifocalidade denota a composição do grupo doméstico, o tipo de laços de parentesco estabelecido entre seus membros e a relação entre homens e mulheres dentro do grupo doméstico.

Matrifocalidade parece implicar, portanto, em um grupo de mulheres e crianças matrilateralmente relacionadas, com homens mais ou menos flutuantes ao redor do grupo. O pai-marido pode estar fisicamente presente ou absolutamente ausente mas, em qualquer caso, a autoridade no grupo doméstico é uma característica feminina.

A matrifocalidade é um fenômeno muito comum ou pelo menos o conceito tem sido amplamente utilizado. Gonzales (1970, 231) demonstra que ele tem sido aplicado não apenas a culturas africanas, mas, também, a Apache-mescaleros, Javaneses, ao Leste de Londes etc. Wagley (comunicação pessoal) informou-me que encontrou o mesmo em Portugal devido à emigração masculina. Eu cheguei mesmo a encontrar o conceito aplicado por um antropólogo físico referindo-se a “forma básica de organização dos primatas” (Pilbeam, 1972, 26), o que até certo pondo revive o uso que Frasier faz dos primeiros evolucionistas para entender a matrifocalidade.

Um problema significativo no conceito de matrifocalidade tem sido sua associação com o grupo doméstico, em alguns trabalhos recentes (Gonzales, R. Smith e outros). Outros antropólogos como Herskovitz … (1968) e outros tem associado o conceito de matrifocalidade com o de “família”. Há em qualquer dos dois casos, e mais evidentemente no primeiro, uma tendência para definir a matrifocalidade em termos de uma situação concreta que envolve indivíduos e grupos e suas relações. Esta abordagem em termos de grupo doméstico está sem dúvida relacionada com a importância dos estudos sobre Caribe e com a formação acadêmica dos antropólogos que os fizeram./>

Creio, por razões que aparecerão mais tarde ao longo deste trabalho, que matrifocalidade pode ser melhor entendida em termos de princípios abstratos. Estes princípios serão tratados abaixo:

b) Princípios da Matrifocalidade/>

Antes de analisarmos os princípios matrifocais alguma coisa deve ser dita sobre a composição de um modelo matrifocal: O primeiro se refere a grupos estruturados linearmente e o segundo, a grupos estruturados lateralmente ( relação com as irmãs, sobrinhos e sobrinhas). Ambos expressam os mesmos princípios quais sejam:

1º – Princípio de grupamento matrilateral. Este é o princípio básico e explica a “relação primária” apresentada no diagrama./>

Como Stack mostra (op. Cit. 305), “matrifocalidade não é necessariamente descendência matrilinear”. Esta observação é relevante, pois é muito comum a relação mais ou menos automática, estabelecida entre regra de descendência e as formas tomadas pelos grupos sociais. Três alternativas emergem quando consideramos as relações entre matrifocalidade e regra de descendência.

Primeira -A matrifocalidade não é uma regra e contrasta com a regra de descendência em termos de nível. Enquanto que a regra de descendência é um componente do corpo ideológico, e matrifocalidade é apenas realidade concreta que emerge da impossibilidade de se seguir a regra.

Segunda – A ideologia é traduzida em comportamento de formas diferentes. Neste caso a matrifocalidade seria uma regra, mas algo como uma “regra de tradução”.

Terceira – A matrifocalidade seria uma regra do mesmo nível que a regra de descendência. Neste caso ela não seria dependente da linha de descendência. A linha de descendência pode mesmo nada a ter com a forma de grupamento mas, sim, com aspectos como herança de nomes, de propriedades, de status ou de caracteres biológicos (do ponto de vista biológico de uma cultura específica).

Em qualquer caso, a matrifocalidade pode ser considerada como um princípio, abstraído pelo antropólogo da realidade empírica.

Na cultura afro-americana, os grupos formados segundo o princípio de grupamento multilateral são recorrentes. As situações concretas porém variam, quando então seríamos levados a pensar em termos de graus de matrifocalidade. Há situações como a descrita por Florestan Fernandes, para São Paulo:

“A família negra, tal como ela se manifesta em São Paulo, durante as três primeiras décadas deste século poderia ser definida como incompleta” (1964, 177). Na mesma página ele explica que a forma de família mais frequente era grupo composto por uma mãe solteira, ou sua substituta eventual, como a avó ou uma tia e as crianças. Neste caso Fernandes op. Cit., 185) mostra que o pai é desconhecido, voltando o paralelo com o pensamento dos velhos evolucionistas, o parentesco pode ser traçado apenas pela linha materna. Embora, em São Paulo no início do século, isto pudesse acontecer, o padrão ideal para descendência era bilateral para negros e brancos. Não há referências sobre sistemas de parentesco matrilineares, em São Paulo.

Este caso pode ser considerado um extremo de matrifocalidade, onde o reconhecimento de descendência se superpõe ao princípio de grupamento matrilateral. Enquanto a descendência é bilateral, o reconhecimento da descendência e a forma de agrupamento são matrilaterais. Uma outra posição do continuum matrifocal seria onde o pai-marido estaria presente, mas de alguma maneira marginal ao grupo composto de esposa, filhas e netos. Este seria o caso da descrição de Smith (1957) da família no Caribe e de Whittens dos negros equatorianos (1970). Neste caso o princípio de grupamento matrilateral contrasta com a regra de descendência bilateral e com o reconhecimento da descendência também bilateral.

O reconhecimento da descendência varia, portanto, em situações concretas e é um elemento essencial correlacionado com os “graus de matrifocalidade”. Ele varia com esses graus. De outro lado, o grupamento matrilateral e sistemas de descendência bilaterais são universais em contextos matrifocais afro-americanos.

Retornando a Stack (1970, 305) a matrifocalidade também não é regra de residência. O princípio grupamento matrilateral não se identifica com a regra de residência matrilateral. A regra de residência é uma expressão do casamento. Se considerarmos que a matrifocalidade existe sem casamento, como no caso típico da escravidão, ou algumas das famílias da rua de Washington descritos por Harnerz (1969, 48), fica evidente que dois conceitos denotam realidades diversas. De fato quanto menos estruturados os padrões de acasalamento, mais é evidente a situação matrifocal.

É provável que a regra de localidade, como acontece com o reconhecimento da descendência, esteja relacionada com graus de matrifocalidade em situações concretas, o grupamento matrilateral, porém é um componente da matrifocalidade e portanto, ocorre onde ela ocorre.

Agora que foi visto o que não é grupamento em linhas matrilaterais é o momento de se definir com clareza o que vem a ser ele. Grupamento matrilateral é um critério para participação no grupo através da linha materna e dos circuitos de interação da mãe. Não é uma regra, mas sim um critério definido por uma situação onde a regra não pode ser seguida.

2º Princípios de expansão

Stack (op. Cit., 309) ataca o conceito de matrifocalidade entre outras razões por “não trazer à luz a dinâmica de formação de grupos domésticos”. Estou em total desacordo. Há pelo menos um excelente estudo sobre o ciclo de desenvolvimento de grupos domésticos em que o conceito de matrifocalidade é central; trata-se do estudo de Smith sobre a Guiana inglesa. De fato eu penso que os aspectos dinâmicos são exatamente um dos princípios básicos definicionais da matrifocalidade.

Os princípios de expansão da matrifocalidade são baseados em um esquema bipartido. De um lado está o afastamento dos homens e do outro a participação das mulheres no grupo.

As crianças do sexo masculino são membros integrais do grupo matrifocal. Homens adultos devido a ligações com mulheres fora do grupo, participam de grupos de “homens de esquina” (HANNERZ, 1969), afastam-se do grupo doméstico maternal e tem a maior parte de sua interação fora do grupo prévio de referência. Este compreende não apenas o grupo doméstico maternal, como também, uma rede de relações de parentesco matrilateral que se estende além do grupo doméstico. Este grupo, mais extenso, compreende também o filho da irmã e da irmã e a filha da irmã da mãe. Mas não somente parentes estão incluídos neste grupo. Alguns parentes com os quais a mãe não mantém interação constante estariam fora do grupo e algumas pessoas, com as quais mãe mantém relações e não são parentes estariam dentro do grupo. Neste caso o uso de termos de parentesco aplicados a não parentes pode aparecer e eu o encontrei entre negros norte-americanos.

Assim, no grupo matrifocal, o afastamento de homens adultos do grupo maternal implica na formação de um novo grupo doméstico, mas mesmo neste novo grupo os homens se tornam marginais.

O outro aspecto do princípio da expansão é da ligação de mulheres ao grupo. A expansão do grupo maternal é realizada através da linha feminina. Quase todos os autores descrevem a iniciação sexual precoce de mulheres negras nas Américas e uma taxa elevada de ilegitimidade (ilegitimidade sob o ponto de vista da classe média ocidental). As mulheres adolescentes vivem com os seus filhos pequenos, com sua mãe e ou irmãs. O mesmo ocorre com mulheres de idade mais avançada quando não possuem a sua própria casa. Cada uma dessas mulheres traz circuitos de interação específicos para o grupo.

Mesmo quando as mulheres do grupo não moram na mesma casa a relação de solidariedade mais próxima se faz e se expande pela linha feminina. Entre adultos a filha da irmã, por exemplo, tem uma relação de proximidade muito maior com a irmã da mãe do que o filho da irmã.

A expansão do grupo matrifocal é, portanto, definida pelo ciclo de vida e pelas diferentes expectativas de vida de homens e mulheres.

II – A Matrifocalidade Explicada

a) Explicações tradicionais

Alguns autores em um tradição que se inicia com Fraisier tem carcterizado a matrifocalidade como uma característica patológica. Florestan Fernandes (op. Cit., 152) por exemplo nos fala da “família incompleta”, e de “situação sociopática”. Nos estudos sobre negros norte-americanos, um exemplo desta visão do problema pode ser encontrado em Padfield e Willians (1965). O exemplo mais discutido é o relatório de Moyninhan (1965)./>

A família negra é considerada patológica porque a ausência da figura do pai traz o que Florestan Fernandes chamou de “falhas na socialização”. É uma situação concreta à qual os negros são levados devido ao baixo nível de renda do marido. Nesta visão os negros não desejam vivem uma situação matrifocal, mas não tem alternativa por fatores que estão fora da família. Acredito que a maioria hoje concorda que matrifocalidade está relacionada com um baixo nível de renda. A maioria dos pesquisadores que atualmente trabalham no assunto, porém, nega a patologia da matrifocalidade. De fato, mais do que um elemento patológico, a matrifocalidade é adaptativa.

A perspectiva que situa o conceito como patológico está normalmente associada com a identificação da escravidão e seus efeitos na organização de parentesco negro como razão fundamental para a matrifocalidade. Frazier, é considerado o “guru” desta linha. Atualmente, Baluner (1971:362) também considera a escravidão como causa principal para o que chama de “famílias dirigidas por mulheres”.

Aceito a escravidão como uma causa entre outras para as formações socieais encontradas entre negros das Américas. O problema com Frazier é o que Hannerz cham de seu “moralismo”, que leva a classificação da família negra como patológica./>

Gonzalez (op. Cit., 235) mostra, que a matrifocalidade pode ser encontrada entre grupos que não tiveram uma experiência anterior de escravidão, tais como Apaches-mescaleros, famílias do Leste de Londes e outros. Parece óbvio no entanto que, no processo histórico, a escravidão situa o grupo envolvido em uma situação de classe baixa. Ainda deve ser considerado que a escravidão traz um contexto especial em que os homens são afastados de uma série de atividades. Causas paralelas podem ter o mesmo efeito em um curso de tempo, o que explicaria a presença da matrifocalidade em grupos que não passaram por um período de escravidão.

Herskowits é o “guru” da linha explanatória que situa a origem africana, como a principal causa da matrifocalidade. Ele não isola o background africano de outras razões, mas o associa com o processo aculturativo que seguiu o deslocamento da população para o Novo Mundo. Os “africanos” se caracterizariam pela alta “freqüência do divórcio”, pela a importância da avó na estrutura da família e pela associação temporária entre homem e mulher. O ponto mais importante na explicação de Herskowitz seria que a poligamia encontrada na África Ocidental implica em que o grupo mãe-crianças permaneceu intacto no Novo Mundo, enquanto o papel de pai teria sido destruído (1968, 67).

As críticas contrárias à explicação em termos de origem africana tem a ver, principalmente, com o fato da relação, matrifocalidade-África, herança africana, poligamia ser meramente postulada. Conforme já foi observado aqui, a explicação mais popular atualmente é a que correlaciona com um baixo nível de renda e com outras razões tais como a emigração masculina. O baixo nível de renda poderia ser considerado um aspecto de um conjunto mais amplo de relações, o que Gonzales (op. Cit. 224) chamou de “afastamento dos homens da vida jurídico-política”./>

Creio que há um começo de consenso sobre isto. Harnerz, por exemplo, nos mostra que as mulheres negras são mais aptas a interagir com os problemas do “mainstream” da sociedade.

b) Afastamento de homens da vida jurídico-política, afinidade e alianças.

O que todos os pesquisadores que tem trabalhado com sociedades Afro-Americanas têm ignorado é uma peça explanatória essencial que pode ser utilizada no estudo da matrifocalidade. De uma maneira simples tal relação poderia ser expressa da seguinte forma: vida jurídico-política = poder = afinidade.

Esta é uma equação familiar para os que trabalham com sociedades tribais. Teoricamente é estruturalismo conspícuo. A afinidade traz um dos principais circuitos de reciprocidade e as alianças que dela emergem são um dos fatores básicos da vida política e faccional de uma sociedade.

Esta não é uma característica apenas de sociedades tribais. Em comunidades brasileiras, por exemplo, a rede de relações de afinidade traz uma das bases de organização dos grupos classe-alta. Para esses grupos a afinidade não apenas traz uma cadeia de reciprocidade, pela troca de mulheres, como também abre circuitos de cooperação nos níveis econômico e político. De outro lado, os mais pobres tendem a ter laços de afinidade pouco extensos e frágeis.

“A comunidade fraca”, que Wagley (1957,8) mostra ser uma característica da “Plantation América” e que correlaciona com a ligação da classe alta local com a classe alta de outros centros urbanos e com o confinamento das classes baixas a seus grupos de vizinhança, pode ser identificada com uma situação em que a solidariedade maior da classe alta, chega a fazer com que ela ultrapasse as fronteiras de comunidade local, enquanto que a solidariedade menor da classe baixa faz com que ela, seccionada, não alcance sequer o limite de uma comunidade local. Esta baixa solidariedade da classe baixa parece estar relacionada com a fraqueza de laços de afinidade. As sociedades de classe apresentam, é claro, diversos exemplos de laços de afinidade operativos entre grupos classe baixa, mas tais laços são, em geral, conexos com algum nível de vida jurídica e política em um âmbito limitado de decisão.

Pensando na escravidão e nas formações sociológicas historicamente subsequentes, as relações entre negros e brancos tendem a enfatizar um padrão que afasta os homens negros da maioria dos papéis de decisão. Tal realidade se embebe em um padrão paternalista e, o que é mais importante, as oportunidades ocupacionais oferecidas aos negros os excluem das decisões.

A relação entre matrifocalidade e fracos laços de afinidade parece-me clara. Conforme Smith demonstra: “A associação extra-residencial entre homem e mulher no Caribe está claramente correlatada com o evitar de responsabilidades, direitos e obrigações na vida jurídica e política”. (11971, 261).

Estas associações extra-residenciais das quais nascem a maioria das crianças refletem um padrão de “irresponsabilidade” (do ponto de vista da classe média ocidental), por parte dos homens negros. Os homens procuram não se envolver em um relacionamento permanente com mulheres e poderíamos adicionar que não precisam. De fato as obrigações são pesadas e as recompensas, sejam em termos de poder ou de vantagens econômicas, são inexistentes pela própria lógica do sistema de classe. Podemos então chegar ao seguinte nexo, explicando a matrifocalidade.

Estrutura de Classes–>segmento sem poder–>fraca afinidade–>matrifocalidade–> Falta de Solidariedade/desorganização entre pobres (que por sua vez reforça a fraca afinidade e a estrutura de classes).

III – a matrifocalidade explicando/>

Alguns autores tem criticado a utilização do conceito de matrifocalidade por evitar a visão de relações mais amplas e por enfatizar a posição da família nuclear como polo de análises (Stack, 1970, por exemplo).

A alternativa proposta por autores como Stack (1970), Whitten (1970), Davenport (1961) e outros tem sido uma abordagem usando o “kindred” como conceito básico. Como Smith (1971, 258) reconhece: É perfeitamente verdadeiro que a concentração da atenção sobre o grupo doméstico enquanto unidade funcional de cuidar das crianças e da organização econômica tem tendido a desviar atenção da rede de relações que liga os grupos domésticos uns aos outros”.

Uma organização do tipo “kindred” implica em uma rede de relações de afinidade e consanguinidade bilateralmente traçados, que funciona em situações concretas. O estudo da matrifocalidade e a paralela concentração de interesse no grupo doméstico poderia portanto implicar no olvido destas relações mais amplas em geral e particularmente nas de afinidade. Neste caso, a matrifocalidade não seria uma consequência da afinidade, ou de algo mais mas, sim, dos instrumentos conceituais insuficientes de antropólogos que falham na busca de aspectos singnificativos do real. Stack, por exemplo, faz o seguinte comentário sobre matrifocalidade: “Conceitos podem se tornar tão aceitos e podem parecer tão óbvios que eles bloqueiam o caminho para um avanço da compreensão”. (op., cit., 303).

Nesta conecção devem ser observados três pontos:

O primeiro é que, aparentemente, na maioria dos casos estudados na Afro-América há uma real maior importância da consanqüinidade como princípio de agrupamento.

Um dos pesquisadores que busca “relações mais amplas que o grupo doméstico” (Whitten), chamou de “afinidade atenuada” o que encontrou no Equador: “Um homem que se mudou e fundou um outro grupo doméstico coopera não apenas com a sua primeira esposa no cuidado das crianças, mas também com os parentes imediatos dela e com os seus próprios envolvendo-os em uma rede de reciprocidade” (1970, 226).

Neste caso, afinidade atenuada é uma derivada do conceito de “poliginia serial” que se refere a sequência de esposas que um homem tem durante sua vida. Mais do que negar a ênfase na consangüinidade, a “afinidade atenuada” e confirma obviamente.

Segundo: É um pré-requisito essencial para o conhecimento dessas relações que extrapolam o grupo doméstico, a identificação de relações entre os sexos e a generacionais internas ao grupo doméstico e que estão presente no significado da palavra “matrifocalidade”. Harnnerz (1969, 47-49) mostra que entre as “famílias da rua” que pesquisou há uma ênfase na interação contínua e intensa entre primos paralelos matrilaterais. Se pensarmos no princípio de grupamento matrilateral, esta relação extra grupos domésticos torna-se melhor entendida.

Terceiro: É perfeitamente aceitável se objetar a ênfase ao grupo doméstico devido a polemica sobre a universalidade da família nuclear. Acredito, seguindo Levy-Strauss (1964, 48), contrariamente à posição de Malinowski, Murdock e Radeliffe-Brown que a relação primária no parentesco é aquela estabelecida entre afins. Mas exatamente por esta razão faz sentido considerar afinidade enfraquecida, como uma característica de grupos classe baixa, ainda por cima em um contexto histórico específico de escravidão.

CONCLUSÕES:/>

1. A matrifocalidade pode ser tratada por determinados princípios abstratos. Isto permite sua melhor identificação e faz subir a análise a um nível mais elevado de abstração;

2. O tratamento da matrifocalidade através de um modelo, a libera de uma conexão necessária com o grupo doméstico;

3. Há uma espécie de consenso entre os estudiosos da organização social Afro-Americana de que matrifocalidade está correlacionada com o afastamento dos homens da vida política e jurídica, o que significa entre outras coisas baixo nível de renda;

4. Um aspecto, porém, tem sido esquecido no mexo causal que inicia com o “afastamento dos homens da vida política e jurídica” e termina em “matrifocalidade”, ou seja, o papel da afinidade. Fraca afinidade e alienaças junto com um baixo nível de solidariedade orgânica são um requisito para a existência de uma situação matrifocal.

5. Ao invés de esconder relações mais amplas, extra grupo doméstico, o conceito de matrifocalidade entendido através de um modelo pode ser um instrumento da maior importância no estudo dessas relações.

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