A Arena Científica

 

ÍNDICE

INTRODUÇÃO

Os diversos estudos apresentados neste livro aprofundam a temática da ciência e tecnologia do ponto de vista de um antropólogo. Unindo nossas experiências de cientista social e de técnico do CNPq, descobrimos que a comunidade cientifica poderia representar um foco de interesse dos mais interessantes e originais para a pesquisa antropológica e sociológica. Indivíduos, grupos, relações sociais e ideologias, poderiam ser conhecidos, através das mais antigas e respeitáveis tradições da sociologia do conhecimento, associadas a um novo sistema conceitual ainda muito pouco divulgado no Brasil. Este sistema , o “relativismo”, tão a gosto dos antropólogos, não foi até‚ o presente, usado explicitamente, como metodologia de pesquisa sobre a ciência brasileira. Isto não impede que tenha sido lembrado em poucos artigos recentes que levantaram a discussão teórica de alguns de seus aspectos (ver p.ex, Abranches, 1991). Por usar o relativismo em estudos empíricos, este livro traz novas questões, até‚ então inexploradas no estudo social da ciência em nosso País.

O “rapport” antropológico, a entrada nas comunidades de geofísica e na zoologia, aconteceu de forma casual. Há muitos anos, conhecemos alguns dos mais importantes zoólogos brasileiros no Xingu, ao fazer pesquisas entre os índios daquela região. Amizades e conhecimentos feitos no campo são para sempre lembrados. Outra vez fomos procurados por um geofísico, hoje um dos líderes de sua área, que desejava nos ouvir sobre um trabalho que escrevera sobre tecnologia indígena. Em 1982, na Coordenação de ciências Humanas e Sociais de CNPq, construímos laços pessoais e afetivos com colegas das áreas de ciências biológicas e exatas. Foram nossos informantes e ajudaram- nos a conhecer outros membros de suas “comunidades”. Por fim, coordenando o Programa de Museus e Coleçõees Cientificas do CNPq, interagimos com os diretores dos principais museus do País e com pesquisadores dessas instituições. Fizemos amigos e conquistamos colaboradores.

Este livro reúne estudos escritos sob os auspícios do antigo Centro de Estudos em Política Cientifica e Tecnológica do CNPq (CPCT), e da Coordenação de Estudos do CNPq (CET). Resultam, em sua maior parte, do projeto de pesquisa “A Comunidade Cientifica Brasileira”, que buscava entender a especificidade da organização da ciência nacional quando comparada à dos países desenvolvidos. O projeto fazia parte do programa de pesquisas “Indicadores em ciência e Tecnologia”, que pelo conhecimento dessa especificidade pretendia criar sistemas de avaliado de ciência, adequadosà situação de países subdesenvolvidos.

Os institutos de pesquisa cientifica vinculados ao CNPq têm uma longa tradição de fazer ciência de boa qualidade. O antigo CPCT, no qual este trabalho foi em sua maior parte realizado, vivenciou entretanto alguns problemas peculiares. O desenvolvimento de um trabalho de pesquisas sócio-antropológico em um instituto governamental de pesquisas (localizado em um ministério de Brasília), esbarrou em diversos empecilhos, sendo o mais sério deles, a “cultura da tecnocracia”, cujo traço característico ‚ a mistura do jargão marxista e o da teoria econômica convencional, além de outros ingredientes menos acadêmicos. Para ela, só pesquisas de “interesse para o planejamento”- estudos econômicos com ênfase na tecnologia- teriam legitimidade. Esta mentalidade contrastava com a visão tradicional dos cientistas engajados em administração de ciência do CNPq, que privilegiava a política, através da negociação em orgãos colegiados, como alternativa ao assim chamado “planejamento”. As investigações sobre ciência e tecnologia que resultaram neste livro, originaram-se desta ultima tradição. A função de estudos sobre ciência e tecnologia não é, nesta ótica, a de produzir fórmulas prontas, “pacotes”, para a imediata solução dos mais difíceis problemas, como se a realidade social pudesse moldada, da mesma maneira que se constrói uma ponte ou uma estrada. Seu objetivo, ao contrário éo de apoiar sistemas de decisão, pela avaliado de ciência, e principalmente, o de produzir “ideologias”, que contribuam para que a ciência encontre seu lugar na sociedade brasileira, sem que para isso seja mistificada, transformada em objeto de culto.

Os dois primeiros estudos (capítulos II e III) aqui apresentados são eminentemente teóricos. Um discute as opções metodológicas disponíveis no campo do estudo social da ciência.É um trabalho que cobre as principais abordagens sobre o tema, e onde procuramos não apenas descrever e criticar as perspectivas teóricas existentes, como ainda propor relações e problemas que tem sido inexplorados. Este texto representa um pré-requisito para o estudo da ciência brasileira. Já o seguinte, denominado “ciência, Tempo e Identidade” é a ele um complemento. Situa a ciência moderna como típico objeto antropológico, dessacralizado, e consiste em uma demonstração do poder da abordagem relativista no estudo sociológico da ciência. Publicando-o, foi nossa intenção, mergulhar o leitor em antropologia e em relativismo.(1)

O estudo “Família e Mérito” (capt.IV), traz uma visão de conjunto sobre as relações entre ciência e cultura no Brasil.É um passo intermediário entre a teoria e os estudos de áreas do conhecimento. Para sua realização foi indispensável um avanço na compreensão de alguns aspectos da própria cultura brasileira: Seu patrimonialismo, sistema estamental (ou “quase estamental”) e processos de formação de pequenos grupos.

Os quatro trabalhos subseqüentes (capts. V-VIII) são estudos de áreas do conhecimento. O estudo de caso sobre a geofísica aplicadaé uma demonstração empírica das relações expostas no texto anterior (capt.IV). Representa a descrição de uma situação muito particular e, por isto mesmo, estratégica, para marcar a especificidade dos vínculos entre ciência, cultura e sociedade em um País como o nosso.

O estudo sobre a zoologia (capt.IV) já avança em outro filão, o das “escolas” e paradigmas, além de repetir os mesmos temas dos demais trabalhos: Poder, cultura nacional, história e instituições científicas. Inova, entretanto, pela adição do conteúdo do conhecimento na análise, explicado por condicionantes de ordem social. Responde desta forma as preocupações atuais da “sociologia do conhecimento científico”, que com este rótulo procura distinguir-se da sociologia da ciência convencional, ao enfatizar o próprio conhecimento como seu objeto.

A continuação ‚ um estudo estatístico da área da zoologia (capt.VII), pelo uso intensivo do banco de dados SELAP-CNPq, complementado pelo da CAPES. O “mapeamento” é razoavelmente completo, de acordo com as possibilidades oferecidas por esses bancos de dados. Permite uma boa visão de conjunto da área, bem como, a apreensão de alguns problemas comuns a toda a ciência brasileira.

Outro estudo de área do conhecimento (capt.VIII) ‚ sobre a nossa disciplina, a antropologia.(2) Identificamos as principais raízes intelectuais e as condições institucionais que levaram ao seu desenvolvimento no Brasil. De um lado este texto se aproxima de uma tradicional avaliação de área do conhecimento, um estudo de “estado da arte”. De outro, pela familiaridade que temos com o campo, possibilitou o entendimento do pensamento antropológico brasileiro, como uma “construção social”, especialmente como resposta a públicos diferenciados, originando o compromisso entre demandas da política nacional e padrões de excelência acadêmicos.

Este volume pretende portanto inovar de diferentes maneiras, conforme fica evidente pela leitura de seu último texto (capt IX- “Conclusões”) . Uma delas é, como visto, pela introdução da abordagem relativista em estudos sociológicos empíricos em nosso País. Desenhamos um modelo que relaciona cultura nacional, pequenos grupos e produtos de ciência e exploramos o próprio conteúdo do conhecimento como uma construção social, e não como uma verdade absoluta presente na natureza. Outro aspecto inovador ‚ a discussão, de forma original, da política cientifica: investigamos as condições básicas para o desenvolvimento científico, tomando como instrumento o conceito de cultura, e assim superando análises fundamentadas na teoria da dependência e em outras perspectivas. Acreditamos que muitas das formulações relativas à ciência, contidas neste volume, poderão contribuir para a discussão do problema geral do subdesenvolvimento, em um momento em queé muito claro o fracasso das políticas formuladas pela teoria econômica.

Este livro busca também apoiar necessidades mais imediatas da política e da gestão de ciência e tecnologia. Alguns dos trabalhos aqui apresentados, situam em primeiro plano, o problema de avaliação de campos científicos. A utilização de métodos quantitativos, para a avaliação de uma dessas áreas do conhecimento (capt. VII) ofereceu a possibilidade de se auferir o alcance e os limites desses m‚todos. Esteé um aspecto relevante dada a tendência recente de se reduzir os estudos sobre ciência e especialmente as avaliações de ciência,à “cientometria”.

Esperamos por fim, que os estudos contidos neste volume, além de contribuir para o conhecimento da ciência no País, auxiliem a compreensão da cultura e da sociedade brasileiras.

NOTAS AO Capítulo I

1- Este texto não foi escrito para o projeto de pesquisa que coordenamos no antigo CPCT. As idéias ali descritas foram apresentadas no Seminário Internacional da Teoria da Memória realizado no Rio, em 1988, e coordenado por Luís Felipe Baeta Neves Flores.

2-Este texto foi apresentado em sua primeira versão ao seminário latino-americano de antropologia, realizado em Brasília em 1987, e por mim coordenado.

 

 

I-INTRODUÇÃO

II-UNIDADES DA ANÁLISE NO ESTUDO SOCIOLÓGICO DA CIÊNCIA: RETROSPECTIVA E CRÍTICA

III-CIENCIA, TEMPO E IDENTIDADE

IV-FAMÍLIA E MÉRITO: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE GRUPOS NA CULTURA E NA CIÊNCIA BRASILEIRAS

V-CIENCIA, PODER E CULTURA NO BRASIL: O CASO DA GEOFÍSICA APLICADA

VI-A ZOOLOGIA NO BRASIL: A TRADIÇÃO NATURALISTA, ESCOLAS E PARADIGMAS

VII-UM RETRATO DA ÁREA DE ZOOLOGIA NO BRASIL

VIII-INSTITUIÇÕES E ORIENTAÇÕES INTELECTUAIS NA ANTROPOLOGIA BRASILEIRA

IX-CONCLUSÕES: RELATIVISMO, CULTURA E AVALIAÇÃO DE CIÊNCIA

BIBLIOGRAFIA